terça-feira, 16 de outubro de 2012

Viver o Centro Histórico de Salvador

Laís Oliveira

Jornalista, revolucionário, escritor, agitador cultural e comerciante. Essas são algumas das palavras possíveis de definir Clarindo Silva (70), dono do restaurante Cantina da Lua, fundado em 1945, que alguns anos depois tornou-se um ponto de encontro de intelectuais e grandes artistas da música brasileira, a exemplo de Beth Carvalho, Chico Buarque de Holanda e Maria Bethânia.
Clarindo, que também coordena o Projeto Cultural Cantina da Lua, é uma das figuras mais representativas e carismáticas do Pelourinho, além de ser um dos maiores militantes na luta pela revitalização do Centro Histórico de Salvador, além de ser criador da Terça da Bênção, que é vinculada ao Projeto.
O objetivo dessa entrevista é divulgar a importância e a preservação do Pelourinho como patrimônio histórico e cultural da cidade, mediante a tamanha devoção, resistência e luta de Clarindo Silva.


Clarindo Silva com o seu livro Memórias da Cantina da Lua, 4ª edição.

Leia Jorge: Como pode relatar a importância do Centro Histórico de Salvador?

Clarindo Silva: Vejo o Centro como um grande coração desse país, ele é a porta de entrada de Salvador. E ele não pode funcionar sem as suas artérias, a exemplo da Ladeira do Pilar, Ladeira Caminho Novo do Taboão, Ladeira da Misericórdia, Ladeira da Montanha, Ladeira da Preguiça, Ladeira do São Francisco, Ladeira da Saúde, Rua Pau da Bandeira, Rua 28 de setembro, Largo da Palma, enfim, estou falando sobre uma área em que se vê a história cultural, a vida social, a política, a experiência e luta do passar dos anos. Costumo dizer que moro aqui e durmo em casa, passo mais tempo aqui do que em minha própria casa.
Leia Jorge: Então falar do Pelourinho é falar da política do local?


Clarindo Silva: Sim, porque até a década de 40 o Pelourinho era um grande centro político, social, econômico e financeiro da cidade, mas após a Segunda Guerra Mundial, as antigas famílias começaram a migrar para outros bairros, a exemplo do Corredor da Vitória, da Graça, da Barra e Campo Grande.

Leia Jorge: Mas como aconteceu o processo de esvaziamento do Pelourinho?

Clarindo Silva: Já na década de 70, pude assistir o mais perverso processo de esvaziamento do local, acabando com a Faculdade de Medicina, com as Sedes do Infra, com a Academia da Grande Bahia, além de fecharem o Santo Antônio, o Centro Popular, desativarem o Projeto do Pilar, a Sede do Taboão, a Administração do Estado e Município, o BANEB, a Caixa Econômica Federal, entre outros, e por isso o Pelourinho acabou virando um gueto.

Leia Jorge: E quando foi o surgimento do restaurante Cantina da Lua?
Clarindo Silva: Em abril de 1945, fundado por Renato Santos, mas 50 anos depois o restaurante Cantina da Lua, já em minha administração, virou um espaço cultural, político e social de luta e resistência, reunindo boêmios, intelectuais e alguns anônimos, com a perspectiva de lutar pela revitalização e preservação da nossa memória cultural. E nesse período, em 1983, que surgiu o Projeto Cultural Cantina da Lua.


Leia Jorge: A ideia da Festa da Benção, às terças-feiras, foi após a implantação desse projeto?

Clarindo Silva: Sim, o surgimento da Festa da Benção foi a partir do Projeto Cultural Cantina da Lua, que além do caráter religioso, também virou um grande marco no Pelourinho e foi o seu principal processo alavancador, onde os baianos e turistas faziam uma grande e linda festa. Nós também convidamos o Olodum para tocar nas terças-feiras e foram muito bem vindos.

Leia Jorge: Quais foram as iniciativas da Cantina da Lua?
Clarindo Silva: Entre 1983 a 1991, fizemos cerca de 800 shows na Cantina, já realizamos um manifesto à nação, e fomos ainda mais ousados quando entregamos a carta do Projeto Cultural Cantina da Lua ao Papa João Paulo II, aqui no Brasil.

Leia Jorge: E as iniciativas após essa época?
Clarindo Silva: A partir de 1991 começou um novo processo, quando o ex-prefeito Antônio Carlos Magalhães assumiu o governo, discutimos a questão da revitalização do Pelourinho, embora já tivesse sido discutida antes quando participei de uma reunião como assessor do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac).



Em 1993, o Projeto Cultural Cantina da Lua e a Festa da Benção comemoraram 10 anos.


Leia Jorge: Como foi realizada a revitalização do Pelourinho?
Clarindo Silva: As obras de revitalização deveriam ser por quarteirões, porque quando chegávamos à última casa, as primeiras casas restauradas já estavam um tanto deterioradas. Mas, para minha tristeza, não consegui revitalizar o Centro Histórico por etapas, por quarteirões e isso causou alguns constrangimentos, pois esse projeto não passou da sexta etapa.


Leia Jorge: Então quais foram as reformas realizadas?
Clarindo Silva: Reformamos algumas casas da Rua Gregório de Matos, Rua Frei Vicente, entre outras, mas houve uma falha na condução das pessoas que habitaram esses espaços, por não terem noção de educação cultural, que é algo básico de quem vai morar no Centro Histórico. Fato evidenciado em uma visita realizada dois anos após as reformas dos casarões, onde encontramos paredes e vasos quebrados, mesmo com tudo de boa qualidade.


Leia Jorge: Afinal, qual a situação atual do Pelourinho?

Clarindo Silva: Entre 1993 até mais ou menos 2008, o Pelourinho foi transformado em um grande point dessa cidade, mas hoje ele está reduzido a um lugar em que os baianos não frequentam, pelo fato de estarem cansados de admirar a beleza do local, mas quando tem um evento os próprios baianos lotam isso aqui.


Leia Jorge: E como são estruturados os eventos?

Clarindo Silva: As Praças Quincas Berro D’Água e Tereza Batista sempre alimentaram os eventos do governo, mas o governo mudou e esse não possui a mesma visão do outro, o que infelizmente foi altamente prejudicial para o comércio. Muitos dos comerciantes fecharem as portas também devido ao grande endividamento dos que são ‘supervisionados’ pelo Ipac, com uma dívida de quase 10 milhões. O governo dificulta o pagamento, porque também tem a questão da Coelba e Embasa, decorrente disso, alguns estabelecimentos tiveram as vendas reduzidas em até 70%.




“ Costumo dizer que moro aqui e durmo em casa, passo mais tempo aqui do que em minha própria casa ”


Leia Jorge: Isso pode ser devido a falta de segurança do Pelourinho?
Clarindo Silva: O Pelourinho não é perigoso, existe um batalhão da polícia militar, delegacia de proteção aos turistas, posto policial, além de 12 câmeras monitorando a área. O que existe é uma mídia negativa em dizer que aqui é perigoso, ocasionando assim em um processo de esvaziamento.


Leia Jorge: Conhece casos de furtos nessa região? São frequentes?
ClarindoSilva: Não tenho notícia de ninguém que tenha sido roubado ou assaltado com arma, eles utilizam ‘arma branca’, para realizar pequenos furtos, como correntes de ouro e relógios, assim como em qualquer parte do mundo. Mas tem cinco anos que não se rouba um carro da Praça Castro Alves até a Rua do Carmo.


Leia Jorge: Mas então o que é preciso para mudar esse quadro?

ClarindoSilva: Eu, que sou da terra, sinto uma grande ausência de trabalho social, se as Secretarias do Estado e Município tivessem uma atuação no mesmo nível que a Polícia Militar e Civil, certamente o Pelourinho seria muito tranquilo. Pelo fato da sensação de insegurança ser causada pela abordagem, com a maioria das pessoas mal vestidas e fétidas, pedindo dinheiro, dando uma fitinha como cortesia, tocando nos visitantes, algo que para nós baianos é um incômodo, imagine para os europeus que não gostam de ser tocados? E isso não é trabalho de polícia, é uma questão social.

Leia Jorge: E sobre o tráfico de drogas, cada vez mais crescente aqui?

ClarindoSilva: Hoje, o crack é uma epidemia, mas o Governo ainda não ‘acordou’ para enxergar que essa droga está dizimando a nossa juventude. O usuário viaja na ilusão de que o crack é uma droga barata, que varia de 3 a 5 reais e que dá o ‘barato’ em 15 minutos. Por isso, tem que haver uma grande mobilização nacional, porque a droga está matando mais do que a Aids ou qualquer outra doença, e o pior disso tudo é que os nossos jovens estão morrendo.

Leia Jorge: Quais devem ser as iniciativas do Governo mediante essa situação?

ClarindoSilva: Esses jovens precisam de um tratamento de saúde e de um acompanhamento junto com os seus familiares. Mas o Governo tem sempre a ideia de que se deve prender o usuário de drogas, e essa medida não recupera ninguém, pois tende a piorar a sua situação e dependência. A exemplo disso, já pude recuperar alguns meninos, que eram usuários de drogas.

Leia Jorge: Fale um pouco sobre o seu livro.

ClarindoSilva: O Livro memórias da Cantina da Lua, escrito por mim, já está em sua 4ª edição, abordando um verdadeiro caso de amor com o Pelourinho. A obra reúne depoimentos de frequentadores do Cantinho, de jornalistas, escritores, sociólogos, psicólogos, pedagogos, artistas plásticos, pessoas que tem muito a acrescentar e experiências a passar sobre momentos passados no Centro Histórico de Salvador.

 
Clarindo Silva, um verdadeiro caso de amor com o Pelourinho”.
 


Registro de visita e entrevista com o Clarindo Silva. (9/09/2012)

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