O presidente da Colônia de Pesca do Rio Vermelho traça o perfil desta região da cidade
Por Artur Queiroz
Contrariando
o que se passa pela cabeça de muitas pessoas, vida de pescador não é tão
tranquila quanto as canções de Dorival Caymmi e os romances de Jorge Amado. Os
pescadores todos os dias se aventuram pelas águas de um mar que nem sempre está
disposto a oferecer a melhor condição de trabalho a estes homens que tem na pesca
do seu sustento de vida.
Quem
exerce essa atividade consegue uma renda mensal de um salário mínimo, mas a
baixa renda não é a principal queixa destes homens. Segundo Marcos Souza,
presidente da Colônia de Pesca do Rio Vermelho e também conhecido como Branco,
o que torna a vida dos pescadores mais difícil é o fato de eles serem
invisíveis para o poder público.
“O
pescador está precisando de equipamento e de especialização para praticar a
atividade porque o peixe a cada dia está mais distante. Os barcos aqui são
pequenos... Um barco grande tem no máximo 10m e hoje para uma boa pesca a gente
precisa, não só de embarcações com maior qualidade, mas também de se capacitar
os pescadores com novas modalidades e novas técnicas para capturar estas
espécies (de peixes) que ainda existem no nosso litoral, mas que estão agora
muito mais longe.”, afirma Marcos, que aponta quais são as principais
necessidades destes homens: “O ideal seria que os setores governamentais
encaminhassem políticas públicas para capacitar estes trabalhadores e colocassem
eles em embarcações que são necessárias hoje em dia para que este pescado seja
capturado e garanta o nosso sustento de vida.”.
Marcos
reclama da falta de assistência até na realização da festa de Iemanjá: “A festa
de Iemanjá caminha no sentido inversamente proporcional de seu crescimento. A
cada ano a festa cresce mais, mas ao mesmo tempo nós temos cada vez menos apoio
da prefeitura municipal e da secretaria de cultura ou de turismo do município.
É uma festa quase que totalmente independente.”.
Apesar
das reclamações com relação à festa, Marcos conta que a devoção à orixá também
garante aos pescadores uma renda extra no final do mês: “Como diariamente
devotos da cidade ou turistas aparecem aqui querendo que a gente leve oferendas
ao mar, isso acaba também ajudando a gente a garantir um dinheirinho a mais,
principalmente em fevereiro. Coisa de R$ 20 ou R$ 50”.
SINCRETISMO - A
colônia do Rio Vermelho é a mais atípica da cidade porque além do
desenvolvimento da atividade da pesca e da organização da categoria de
trabalhadores, há também a Casa de Iemanjá, que foi uma realização dos próprios
pescadores negros descendentes de escravos.
Por
causa da dificuldade que havia em se cultuar entidades do candomblé por causa
da opressão exercida pelo estado e pela igreja, os negros através do
sincretismo passaram a associar a imagem de santos da igreja católica com a dos
deuses do candomblé.
Historiadores
afirmam que no ano de 1924 o Rio Vermelho estava passando por uma escassez de
peixes. Como esta falta afetava pescadores, peixeiros e fregueses, surgiu então
a ideia de se oferecer presentes à mãe d’água para que de alguma forma ela
pudesse retribuir. A estratégia deu certo e a partir deste momento surgiu na
cidade a famosa festa de Iemanjá, celebrada no dia 2 de fevereiro.
Segundo
Marcos, “O sincretismo até hoje é muito forte no Rio Vermelho. Quem visita a
Casa de Iemanjá também assiste missa na Igreja de Nossa Senhora de Santana,
aqui ao lado.”, mas que ao mesmo tempo devotos de outras religiões também são
praticantes, ainda que em sigilo, do sincretismo: “Eu, que já trabalho aqui há
muitos anos já cansei de receber evangélicos querendo levar suas oferendas. Eles
me pedem pelo amor de Cristo, de Jeová, que eu não fale nada para ninguém. Normalmente
eles aparecem em horários mais calmos, para não correrem o risco de serem
vistos.”.
ESTEREÓTIPO –
Um dos pontos que Marcos faz questão de destacar é o fato de as músicas da
Dorival Caymmi e os romances de Jorge Amado terem criado no imaginário das
pessoas uma imagem dos pescadores que é muito diferente da realidade. As obras
destes dois artistas baianos mostram o pescador como uma figura que acorda de
manhã cedo para sair com a jangada e que na volta traz sempre muitos peixes.
Após o trabalho a única atividade, ou melhor, a falta dela faz com que esse
homem deite em sua rede para descansar e poder mais tarde sair para beber e
galantear as mulheres da região.
“Artisticamente
isso tudo é muito bonito, mas deixou nas pessoas a impressão de que o pescador
é aquela pessoa que vive com as maiores facilidades, como se estivesse sempre
flauteando. Na verdade a gente sabe que a atividade da pesca é completamente
diferente desse contexto.”, afirma Marcos que faz questão pontuar as
dificuldades enfrentadas pelos pescadores: “A atividade profissional da pesca é
desgastante e perigosa. Ele vai enfrentar mares que nem sempre estão em
condições favoráveis. Só não vai quando não tem jeito porque o pescador é como
uma aranha, ele vive daquilo que ele tece.”.
TRADIÇÃO -
Os primeiros registros da colônia de pesca do Rio Vermelho foram feitos em
1860, mas a constituição formal da região data de 20 de março de 1962. A área territorial
da colônia abrange núcleos em diversos pontos da cidade. A Z1, como também é
conhecida a do Rio Vermelho, começa na rampa do Mercado Modelo e abrange uma
área que vai até Boca do Rio.
Segundo
Marcos Souza, a nomenclatura das colônias surgiu através de um almirante
brasileiro que viu na mão de obra pesqueira, um reforço para a defesa da costa
das cidades litorâneas do estado em caso de guerra. Como forma de recrutar
estes homens que até então viviam somente da pesca, toda a orla da Bahia foi mapeada
e cada região passou a ser chamada de Zona, no caso do Rio Vermelho, Zona 1 ou
Z1.
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