terça-feira, 30 de outubro de 2012

Pescadores fogem dos estereótipos e revelam outra face da atividade da pesca

O presidente da Colônia de Pesca do Rio Vermelho traça o perfil desta região da cidade



Por Artur Queiroz

Contrariando o que se passa pela cabeça de muitas pessoas, vida de pescador não é tão tranquila quanto as canções de Dorival Caymmi e os romances de Jorge Amado. Os pescadores todos os dias se aventuram pelas águas de um mar que nem sempre está disposto a oferecer a melhor condição de trabalho a estes homens que tem na pesca do seu sustento de vida.

Quem exerce essa atividade consegue uma renda mensal de um salário mínimo, mas a baixa renda não é a principal queixa destes homens. Segundo Marcos Souza, presidente da Colônia de Pesca do Rio Vermelho e também conhecido como Branco, o que torna a vida dos pescadores mais difícil é o fato de eles serem invisíveis para o poder público.

“O pescador está precisando de equipamento e de especialização para praticar a atividade porque o peixe a cada dia está mais distante. Os barcos aqui são pequenos... Um barco grande tem no máximo 10m e hoje para uma boa pesca a gente precisa, não só de embarcações com maior qualidade, mas também de se capacitar os pescadores com novas modalidades e novas técnicas para capturar estas espécies (de peixes) que ainda existem no nosso litoral, mas que estão agora muito mais longe.”, afirma Marcos, que aponta quais são as principais necessidades destes homens: “O ideal seria que os setores governamentais encaminhassem políticas públicas para capacitar estes trabalhadores e colocassem eles em embarcações que são necessárias hoje em dia para que este pescado seja capturado e garanta o nosso sustento de vida.”.

Marcos reclama da falta de assistência até na realização da festa de Iemanjá: “A festa de Iemanjá caminha no sentido inversamente proporcional de seu crescimento. A cada ano a festa cresce mais, mas ao mesmo tempo nós temos cada vez menos apoio da prefeitura municipal e da secretaria de cultura ou de turismo do município. É uma festa quase que totalmente independente.”.

Apesar das reclamações com relação à festa, Marcos conta que a devoção à orixá também garante aos pescadores uma renda extra no final do mês: “Como diariamente devotos da cidade ou turistas aparecem aqui querendo que a gente leve oferendas ao mar, isso acaba também ajudando a gente a garantir um dinheirinho a mais, principalmente em fevereiro. Coisa de R$ 20 ou R$ 50”.

SINCRETISMO - A colônia do Rio Vermelho é a mais atípica da cidade porque além do desenvolvimento da atividade da pesca e da organização da categoria de trabalhadores, há também a Casa de Iemanjá, que foi uma realização dos próprios pescadores negros descendentes de escravos.

Por causa da dificuldade que havia em se cultuar entidades do candomblé por causa da opressão exercida pelo estado e pela igreja, os negros através do sincretismo passaram a associar a imagem de santos da igreja católica com a dos deuses do candomblé.

Historiadores afirmam que no ano de 1924 o Rio Vermelho estava passando por uma escassez de peixes. Como esta falta afetava pescadores, peixeiros e fregueses, surgiu então a ideia de se oferecer presentes à mãe d’água para que de alguma forma ela pudesse retribuir. A estratégia deu certo e a partir deste momento surgiu na cidade a famosa festa de Iemanjá, celebrada no dia 2 de fevereiro.

Segundo Marcos, “O sincretismo até hoje é muito forte no Rio Vermelho. Quem visita a Casa de Iemanjá também assiste missa na Igreja de Nossa Senhora de Santana, aqui ao lado.”, mas que ao mesmo tempo devotos de outras religiões também são praticantes, ainda que em sigilo, do sincretismo: “Eu, que já trabalho aqui há muitos anos já cansei de receber evangélicos querendo levar suas oferendas. Eles me pedem pelo amor de Cristo, de Jeová, que eu não fale nada para ninguém. Normalmente eles aparecem em horários mais calmos, para não correrem o risco de serem vistos.”.

ESTEREÓTIPO – Um dos pontos que Marcos faz questão de destacar é o fato de as músicas da Dorival Caymmi e os romances de Jorge Amado terem criado no imaginário das pessoas uma imagem dos pescadores que é muito diferente da realidade. As obras destes dois artistas baianos mostram o pescador como uma figura que acorda de manhã cedo para sair com a jangada e que na volta traz sempre muitos peixes. Após o trabalho a única atividade, ou melhor, a falta dela faz com que esse homem deite em sua rede para descansar e poder mais tarde sair para beber e galantear as mulheres da região.

“Artisticamente isso tudo é muito bonito, mas deixou nas pessoas a impressão de que o pescador é aquela pessoa que vive com as maiores facilidades, como se estivesse sempre flauteando. Na verdade a gente sabe que a atividade da pesca é completamente diferente desse contexto.”, afirma Marcos que faz questão pontuar as dificuldades enfrentadas pelos pescadores: “A atividade profissional da pesca é desgastante e perigosa. Ele vai enfrentar mares que nem sempre estão em condições favoráveis. Só não vai quando não tem jeito porque o pescador é como uma aranha, ele vive daquilo que ele tece.”.

TRADIÇÃO - Os primeiros registros da colônia de pesca do Rio Vermelho foram feitos em 1860, mas a constituição formal da região data de 20 de março de 1962. A área territorial da colônia abrange núcleos em diversos pontos da cidade. A Z1, como também é conhecida a do Rio Vermelho, começa na rampa do Mercado Modelo e abrange uma área que vai até Boca do Rio.

Segundo Marcos Souza, a nomenclatura das colônias surgiu através de um almirante brasileiro que viu na mão de obra pesqueira, um reforço para a defesa da costa das cidades litorâneas do estado em caso de guerra. Como forma de recrutar estes homens que até então viviam somente da pesca, toda a orla da Bahia foi mapeada e cada região passou a ser chamada de Zona, no caso do Rio Vermelho, Zona 1 ou Z1. 

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