segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Siga bem, caminhoneira


Marcos William

Uma das personagens de Jorge Amado que chama a atenção é a jovem Malvina da obra “Gabriela, cravo e canela”. Malvina abstrai a época na qual vive e acredita apenas nos seus ideais cuja essência encontra-se em uma relação de igualdade entre homens e mulheres. Nesse sentido, a personagem põe em prática os seus pensamentos quando decide se deitar com um rapaz antes do casamento, coisa muito moderna em sua época. Esta ação a faz de uma moça à frente do seu tempo e que, embora haja padrões que valorizem o sexo masculino,se desprende das regras preestabelecidas, mas a questão é a seguinte: Será que ainda existem mulheres capazes de enfrentar situações nas quais os homens ainda dominam? No mercado de trabalho é muito comum algumas profissões serem destinadas ao sexo masculino, como por exemplo, a de motorista de caminhão. Maria da Conceição, 35 anos, é uma dessas mulheres que enfrentam a sociedade patriarcal e que se arrisca nas estradas dirigindo grandes automóveis, seu objetivo não é ser melhor que os outros motoristas de caminhão. Ela só quer ser tratada igualmente, e dispensa qualquer fragilidade atribuída ao sexo feminino.

Leia Jorge: Quando você decidiu ser motorista de caminhão?

Maria: Na verdade, eu sempre tive vontade. Meu pai é caminhoneiro, mas nunca me deixou dirigir, até porque também nunca tive carteira. Chegou um momento que eu precisava provar para o meu pai que eu era capaz. Arranjei um emprego de vendedora para pagar minha auto-escola e tirar a carteira que me deixasse dirigir um caminhão.

Leia Jorge: Então, não foi sonho, foi uma forma de provar para o seu pai que você era capaz?

Maria: Acho que a gente é ‘que nem criança pequena’, quando algum adulto diz que você não pode fazer isso é aí que você sente vontade.

Leia Jorge: Você nunca perguntou para seu pai porque ele não te deixava dirigir um caminhão?

Maria: Várias vezes, eu nem consigo contar. Ele sempre dizia que caminhão era coisa de macho e que se meus irmãos quisessem tudo bem, mas eu não, porque é muito perigoso para uma ‘mulher do sexo frágil’.

Leia Jorge: Como te tratam quando você está trabalhando?

Maria: Sempre me chamam de homem, depois percebem que é uma mulher que está dirigindo. Algumas pessoas dizem que eu sou ‘sapatona’ só por causa da minha profissão, mas eu tenho marido e filhos. Às vezes, também, alguns motoristas, no trânsito, quando buzinam para mim, me chamam de ‘viado’, de ‘corno’ porque acham que é um homem no volante. E, muitas vezes, alguns motoristas percebem que sou uma mulher e me mandam voltar pra cozinha, lavar roupa... Essas coisas.

Leia Jorge: Como seu marido e filhos lidam com sua profissão?

Maria: Meu marido não tem do que reclamar, quando ele me conheceu eu já viajava por essa estrada a fora. Ele só teve que aceitar. Meus filhos não têm nenhum problema.

Leia Jorge: Seu marido nunca comentou ter ouvido brincadeiras relacionadas ao casamento de vocês e sua profissão?

Maria: Uma vez o amigo dele perguntou se ele era ‘viado’ para casa com uma ‘mulher macho’ (risos) não posso nem dizer o que ele respondeu. (risos)

Leia Jorge: Você não se importa com esse tipo de brincadeira?

Maria: Quem tem sua boca fala o que quer. Se a gente ficar pensando no que as pessoas falam, a gente não vive.

Leia Jorge: Quantas mulheres você conhece que trabalha na mesma profissão que você?

Maria: Nenhuma. Eu sou a única maluca. (risos)

Leia Jorge: Considera loucura o que você faz?

Maria: Não, estava brincando, mas acho que poucas mulheres têm a coragem de enfrentar, primeiro, o preconceito, e depois, os perigos nas estradas, o que não é só para nós mulheres, a estrada também é perigosa para os homens.

Leia Jorge: Você se arrepende da sua profissão?

Maria: Não, pelo contrário, tenho orgulho de ser uma mulher que faz um trabalho de homem e, modéstia à parte, muito bem feito. Posso provar que as mulheres são capazes de fazer tudo que os homens fazem.

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