Siga bem, caminhoneira
Marcos William
Uma
das personagens de Jorge Amado que chama a atenção é a jovem
Malvina da obra “Gabriela, cravo e canela”. Malvina abstrai a
época na qual vive e acredita apenas nos seus ideais cuja essência
encontra-se em uma relação de igualdade entre homens e mulheres.
Nesse sentido, a personagem põe em prática os seus pensamentos
quando decide se deitar com um rapaz antes do casamento, coisa muito
moderna em sua época. Esta ação a faz de uma moça à frente do
seu tempo e que, embora haja padrões que valorizem o sexo
masculino,se desprende das regras preestabelecidas, mas a questão é
a seguinte: Será que ainda existem mulheres capazes de enfrentar
situações nas quais os homens ainda dominam? No mercado de trabalho
é muito comum algumas profissões serem destinadas ao sexo
masculino, como por exemplo, a de motorista de caminhão. Maria da
Conceição, 35 anos, é uma dessas mulheres que enfrentam a
sociedade patriarcal e que se arrisca nas estradas dirigindo grandes
automóveis, seu objetivo não é ser melhor que os outros motoristas
de caminhão. Ela só quer ser tratada igualmente, e dispensa
qualquer fragilidade atribuída ao sexo feminino.
Leia
Jorge: Quando você decidiu ser motorista de caminhão?
Maria: Na
verdade, eu sempre tive vontade. Meu pai é caminhoneiro, mas nunca
me deixou dirigir, até porque também nunca tive carteira. Chegou um
momento que eu precisava provar para o meu pai que eu era capaz.
Arranjei um emprego de vendedora para pagar minha auto-escola e tirar
a carteira que me deixasse dirigir um caminhão.
Leia
Jorge: Então,
não foi sonho, foi uma forma de provar para o seu pai que você era
capaz?
Maria:
Acho que a gente é ‘que nem criança pequena’, quando algum
adulto diz que você não pode fazer isso é aí que você sente
vontade.
Leia
Jorge: Você
nunca perguntou para seu pai porque ele não te deixava dirigir um
caminhão?
Maria: Várias
vezes, eu nem consigo contar. Ele sempre dizia que caminhão era
coisa de macho e que se meus irmãos quisessem tudo bem, mas eu não,
porque é muito perigoso para uma ‘mulher do sexo frágil’.
Leia
Jorge: Como te tratam quando você está trabalhando?
Maria: Sempre
me chamam de homem, depois percebem que é uma mulher que está
dirigindo. Algumas pessoas dizem que eu sou ‘sapatona’ só por
causa da minha profissão, mas eu tenho marido e filhos. Às vezes,
também, alguns motoristas, no trânsito, quando buzinam para mim, me
chamam de ‘viado’, de ‘corno’ porque acham que é um homem no
volante. E, muitas vezes, alguns motoristas percebem que sou uma
mulher e me mandam voltar pra cozinha, lavar roupa... Essas coisas.
Leia
Jorge: Como
seu marido e filhos lidam com sua profissão?
Maria: Meu
marido não tem do que reclamar, quando ele me conheceu eu já
viajava por essa estrada a fora. Ele só teve que aceitar. Meus
filhos não têm nenhum problema.
Leia
Jorge: Seu marido nunca comentou ter ouvido brincadeiras
relacionadas ao casamento de vocês e sua profissão?
Maria: Uma
vez o amigo dele perguntou se ele era ‘viado’ para casa com uma
‘mulher macho’ (risos) não posso nem dizer o que ele
respondeu. (risos)
Leia
Jorge: Você não se importa com esse tipo de brincadeira?
Maria: Quem
tem sua boca fala o que quer. Se a
gente ficar
pensando no que as pessoas falam, a
gente não
vive.
Leia
Jorge: Quantas
mulheres você conhece que trabalha na mesma profissão que você?
Maria: Nenhuma.
Eu sou a única maluca. (risos)
Leia
Jorge: Considera
loucura o que você faz?
Maria: Não,
estava brincando, mas acho que poucas mulheres têm a coragem de
enfrentar, primeiro, o preconceito, e depois, os perigos nas
estradas, o que não é só para nós mulheres, a estrada também é
perigosa para os homens.
Leia
Jorge: Você
se arrepende da sua profissão?
Maria: Não,
pelo contrário, tenho orgulho de ser uma mulher que faz um trabalho
de homem e, modéstia à parte, muito bem feito. Posso provar que as
mulheres são capazes de fazer tudo que os homens fazem.
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