quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Vida de Prostituta: Um Papo Íntimo com Carol, da Eros

Fernanda Fahel
Dez horas da noite de uma segunda-feira. Eu e um amigo fomos de carro até os arredores da orla e Manoel Dias a procura de prostitutas dispostas a bater um papo sincero e sem pudores. Após sondar as ruas, decidimos parar o carro em frente a Eros, um famoso night club em Salvador. O movimento parecia estar fraco na casa. Havia algumas garotas na porta, provavelmente, na esperança de atrair clientes. Abaixamos o vidro. “Alguma de vocês se importaria em dar uma entrevista? Sou estudante de jornalismo.” Imediatamente, uma delas se candidatou. Ela se aproximou do carro sem medo ou qualquer atitude ameaçadora, possibilidades que eu e meu acompanhante havíamos temido. No entanto, a moça debruçou-se na janela e pôs-se a falar abertamente sobre a vida pessoal e de prostituição, recusando apenas revelar sua graça.


Pergunta: Como você se tornou prostituta? 
Resposta: Foi por necessidade mesmo. Com 19 anos.


P: Qual foi a reação da família?
R: Eu sou afastada da minha família. Minha mãe sabe o que eu faço, mas não fala nada. Ela só faz querer dinheiro de mim. Não esta nem ai.
 
P: Com quem você mora atualmente? Eles respeitam sua profissão? Já houve desentendimentos em casa por causa disso?
R: Eu moro sozinha. Pago aluguel e tenho um filho de 5 anos.
 
P: Você tem outro emprego? Estuda?
R: Eu estudo sim. Estou fazendo supletivo ainda. E tenho planos para fazer faculdade de administração.
 
P: O que gosta de fazer nas horas livres?
R: Normalmente eu não tenho pique para fazer nada. Só estudar porque eu vou para o colégio. Às vezes eu fico com a galera de lá, converso normal. Mas eu não saio muito para festas.
 
P: Você costuma namorar?
R: Não. Porque não da para namorar trabalhando nisso. Já namorei, mas hoje é uma opção minha ficar solteira. Se uma pessoa gosta de outra, não tem como aceitar esse trabalho.
 
P: Você sente falta de ter um relacionamento amoroso?
R: Sinto sim. Todo mundo ai sente carência. Todo mundo ai (na prostituição) é muito carente e, por isso, às vezes, é explorado. Por isso que eu prefiro ficar afastada (de relacionamentos).
 
P: As pessoas com quem você convive sabem do seu trabalho como garota de programa? Como faz para preservar a identidade?
R: Não, eu escondo bastante. Eu falo que trabalho em outro canto, dou outro nome e presto atenção se vejo conhecidos (no trabalho). Não seria nada legal.
 
P: Voce utiliza alguma ferramenta na internet para atrair clientes?
R: Não uso isso porque me expõe muito. Eu fico só por aqui para tirar o dinheiro de pagar minhas contas e depois dou um tempo em casa.
 
P: Existe muita competição entre as profissionais do sexo? Você já brigou com alguma colega de trabalho? Sabe de algum caso?
R: Muita, muita! Nunca briguei com colega de trabalho. Sou da paz. Mas tem caso sim e as brigas não são bonitinhas, são feias. Às vezes você esta na mesa com um cliente e chega outra menina, fica dando em cima e ai começa a disputa. Uma chama a outra para o lado de fora (do night club), prende o cabelo, pega a faca e briga mesmo. Mas não rola muita briga assim não. O mundo da prostituição não é tão assim brabo como dizem no jornal. É brabo quando você se entrega a noite, quando você se envolve com drogas e pessoas que não prestam.
 
P: As meninas costumam carregar algum tipo de arma? Facas, navalhas?
R: Não aqui (na Eros) porque fazem revista na hora de entrar. Fora que não precisa de arma se tem garrafa e copo né? Do lado de fora (do night club) o clima pesa mais. Você se expõe. Quem vai mais para as ruas é quem se entregou a noite, viciada em droga, ai a boate não aceita.
 
P: Como é seu relacionamento com as prostitutas travestis?
R: Não entra travesti aqui dentro (da Eros). Eu fico dentro da boate. É bom porque a gente (que é associada ao night club) é mais conservada. Na rua tem travestis que querem bater mesmo e fazer acontecer.

P: O que os clientes mais procuram numa prostituta? Quais os pedidos mais freqüentes?
R: Você quer mesmo saber isso? (risos) Eles procuram atenção. Falar os problemas deles com as esposas. Muitos gostam de uma ‘dedadinha no ânus’ e a esposa não vai fazer isso. Gostam de ir para a cama com duas mulheres. Gostam de fazer a fantasia que eles não acham em casa.
 
P: Você tem problema em se envolver com uma colega de trabalho durante o programa?
R: A gente faz um teatro, na verdade. Quando as duas gostam (de ficar com mulheres) ai acontece. Algumas meninas aqui viram lésbicas, acho que por causa da carência, vê mulher nua a noite toda e começa a mudar o pensamento.
 
P: Qual foi o pedido mais bizarro que já lhe fizeram?
R: Um cara mandou eu enfiar meu salto na bunda dele. Muito sinistro. Bater nele, fazer xixi na cara dele. Eu faço, depende do dinheiro. Às vezes, eles querem só conversar também.
 
P: Você prefere servir de psicóloga para o cliente ou fazer sexo mesmo?
R: Até pensei em fazer faculdade de psicologia, eu gosto de ouvir problemas e dar conselhos, já estou acostumada.
 
P: Você já recusou fazer alguma coisa na hora do sexo? O que mais você não faria de jeito nenhum?
R: Já. Sexo anal. Detesto. Eu não sou viado para dar a bunda. Não faço nem pagando muito bem. Eu faria apenas por amor. Quando a gente gosta, a gente faz de tudo para agradar a pessoa amada. Não faria de jeito nenhum sexo sem camisinha. Nem transaria com dois homens ao mesmo tempo. Mulher ainda vai, mas viado não.
 
P: A gente sabe que ainda há muita discriminação com as profissionais do sexo. Algum passante ou cliente já te magoou?
R: Uma vez, um rapaz bebeu muito, não conseguiu ficar com o pênis ereto e queria que eu fizesse milagre. Ele chegou a me empurrar na cama. Eu rezei, pedi a deus e deu tudo certo. Mas tive que sair do motel correndo e sem roupa!
 
P: Você já sofreu agressão física apenas por ser prostituta?
R: Não. Eu já tentei fazer uma agressão física (risos). Porque ele não me pagou no final. Quando terminou o programa, o cara disse que não tinha dinheiro. Eu peguei uma garrafa e sai correndo atrás dele de tanta raiva que eu fiquei. Ele saiu correndo.
 
P: Alguma vez você gostou de fazer sexo com um cliente?
R: Já (expressão de satisfação ao lembrar). Teve sim, mas eu fiquei muito triste porque rolou uma química muito forte entre a gente. Fiquei triste por não ter conhecido ele fora dessa situação (sexo por dinheiro).
 
P: Você já se envolveu emocionalmente com algum cliente?
R: Não. Eu sou muito profissional. Mas conheço vários casos. Mulheres da noite são muito carentes. Elas se envolvem e acaba que depois não da certo.

(Conversa vai, conversa vem, ela volta atrás e assume já ter se apaixonado por uma cliente, com quem namorou sério!)

Eu já me apaixonei por uma cliente, com quem eu namorei por um ano e seis meses. Uma mulher. Foi a pior experiência da minha vida. Eu a conheci como cliente, depois ela começou a fazer programa também. Eu tinha ciúmes e a gente brigava o tempo todo. O pau comia!
 
P: Os clientes costumam te reconhecer na rua?
R: Não. Impressionante, mas não reconhecem. Ainda bem.
 
P: Você já foi pega no flagra com um homem casado?
R: Não. Mas já sai com um casal e, na hora, começaram umas cenas de ciúme, ai eu fui me saindo devagarzinho e fui embora.
 
P: Como é o mercado da prostituição em Salvador? A clientela é boa e fiel? Qual o período que mais rende para vocês?
R: Não tem muitos clientes. Tem muita mulher que vem de fora para trabalhar em Salvador, então a disputa é muito grande. O período que mais rende é o verão, antes do Carnaval. Antes dava muito gringo, agora não mais. Acho que por causa da crise que esta acontecendo lá fora.
 
P: Qual o seu perfil de cliente preferido?
R: Sempre gostei de sair mais com turista. Gosto de sair com homens mais velhos. Mas não tenho tipo físico, eu vou pelo dinheiro.
 
(Ao falar sobre estrangeiros, ela lembra de mais um episodio bizarro.)

Eu sai com um japonês, uma vez, que me pediu para fazer coco na boca dele. Pense ai, que nojo! Eu não fiz não. Xixi é so beber bastante água, fechar o olho e consegue. Mas coco não.
 
P: É verdade que japonês tem o órgão genital pequeno?
R: Sim, de pegar com o dedinho (fazendo movimento de punheta com o dedo indicador e o dedão). Mas normalmente quem vem sempre tem o pau pequeno e tem problema de ereção. Na certa se sente retraído por ter o pênis pequeno. Eu prefiro que seja médio para gozar logo e eu poder ir embora, do que eu ter que ficar lá tentando fazer milagre.

P: Como são os cuidados com a saúde na hora do trabalho?
R: Ir ao ginecologista. Fazer exame de HIV, sempre tem que fazer. Na hora de transar, você tem que olhar (o órgão genital) antes do contato físico. Qualquer coisa, eu boto até umas dez camisinhas por cima. Transar sem camisinha nunca. Pegar doença é fim de carreira na boate.
 
 
Hoje, aos 26 anos de idade, a entrevistada acredita que sua carreira como prostituta foi uma grande perda de tempo. Ela critica as colegas de trabalho iludidas pelo dinheiro fácil e alerta para o ambiente hostil que é o local onde trabalham. “Isso aqui é tudo uma ilusão. Tem meninas que não falam nada sobre estudo, nem trabalho. Acham que vão ficar novas a vida toda. E quem fica velha e chega aqui na porta (do night club), eles mandam embora. Gorda? Manda embora. Poucas gordas ficam. Se ficar velha e gorda, minha filha... Não passa da porta. É humilhada!”

“Eu tenho sete anos trabalhando na noite. Eu não tenho carro, eu não tenho casa. Eu desperdicei sete anos que eu poderia ter feito outros amigos porque aqui ninguém é amigo de ninguém. Tudo falso. Por isso que estou voltando a estudar. Ficar aqui sem ficar rica, sem poder comprar uma casa é perda de tempo, é me sujar a toa. Porque fazer sexo com quem você não gosta é terrível. Não da para juntar dinheiro aqui. Só o dinheiro certo para pagar as contas. Eu nunca consegui juntar nada e não tem uma ai que tenha conseguido. O máximo que conseguem é se casar com um cliente e eu não aceito isso. Se me conhecer aqui, nunca na galáxia que eu vou casar. Eu pago minhas contas e não aceito depender de ninguém”, declara a garota de programa.
 
Satisfeitos com a conversa, que durou em torno de apenas vinte minutos, mas que rendeu bastante, eu e meu acompanhante agradecemos pela disponibilidade e simpatia da moça. E tentamos, mais uma vez sem sucesso, descobrir seu nome. “Carol!”, disse ela ao se retirar com um sorrisinho sarcástico nos lábios.

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